O Chicharro à nossa mesa é o nome do livro que a UMAR-Açores apresentou ao público no passado dia 2 de Junho, no Centro Cívico e Cultura de Santa Clara, e marca marca o encerramento do projecto Caminhos em Terra e no Mar - As Mulheres da Pesca nos Açores.
A UMAR- A partiu para este
trabalho de pesquisa e recolha de receitas com o objectivo de abranger todas as ilhas e obter o
máximo de receitas possíveis de chicharro. E porquê o chicharro? Porque se
trata actualmente de uma espécie de valor comercial baixo, mas que no passado,
não muito longínquo, teve uma importância socioeconómica bastante considerável.
Para além de então ser pescado e consumido em
abundância, chegou a ser chamado de comida de pobre, o chicharro era muitas
vezes utilizado como moeda de troca com produtos hortícolas, por exemplo (uma
pratica que no presente parece estar a regressar como forma de contornar ou
amenizar a crise).
Assim e para além de procurar contribuir para
a valorização desta espécie em particular este pequeno livro/guia – se assim o
quiserem chamar, pretende também
recuperar parte da tradição da cultura alimentar do povo açoriano e incentivar
para o consumo do pescado.
Dai que apareça neste livro também um artigo
escrito por um nutricionista, Dr. Nuno Maia Velho Cabral, que fala sobre a
importância do consumo de peixe
para a saúde. Um artigo com um titulo muito feliz “Engorde a sua saúde
comendo chicharro” e que prova a importância desta espécie em particular em
termos nutricionais.
Tentou-se também no contexto deste trabalho
dar resposta as algumas questões:
Quantas formas há de cozinhar chicharro? Em
que ilha é esta espécie mais consumida? Existem diferenças na preparação e no
tempero entre as ilhas? O consumo de peixe é hoje maior ou menor do que
outrora? Porquê? Quem é portador/a das receitas mais antigas? A quem cabe a
tarefa de cozinhar? No seio da família quem cozinha com mais frequência? São
apenas algumas das questões para o qual procuramos obter respostas.
Ao longo do livro vão verificar que de facto
existem - não 1001 maneiras como o
bacalhau - muitas formas diferentes de confeccionar chicharro e que vão desde o
mais comum que é chicharro frito com molho vilão até receitas “gourmet” ou da alta cozinha, passando
por segredos familiares até agora bem guardados, e que em boa hora resolveram
partilhar connosco. E existem sim diferenças entre ilhas nos temperos e formas
de confeccionar as mesmas receitas. Este é aliás o motivo pelo qual aparecem algumas
receitas repetidas, como o mesmo nome, nas diferentes ilhas.
Os
resultados obtidos relativamente ao consumo e às questões de género, ou seja
que respeitam à igualdade entre homens e mulheres, são publicados no final do
livro. Através de uma pequena
ficha com perguntas que acompanhou a recolha de receitas ficámos a saber, por
exemplo, que a grande maioria das pessoas entrevistadas, cerca de 70% ,
considera que o acto de cozinhar é próprio de ambos os sexos, ou seja é
igualmente próprio de homens e mulheres. Isto talvez possa demonstrar já alguma
mudança de mentalidade, no entanto logo a seguir perguntávamos quem é que em
casa cozinhava com mais frequência... e aí o universo feminino surge
destacadíssimo com um total de 86,1%. Por outro lado, quando falamos de
restauração, a opinião de quase metade das pessoas é que são principalmente
homens a desempenhar a função de “chefs” de cozinha.
Uma outra
questão para a qual procuramos obter respostas através dos inquéritos dizia
respeito à origem da receita. Mais de metade referiu que a sua receita era de
origem familiar, ou seja que tinham aprendido a receita com a mãe (maioria dos
casos) avó, tias, irmãs. A opção origem tradicional também se destacou uma vez
que para algumas das pessoas auscultadas as receitas “vem de antigamente” e tem
origem na sua ilha ou localidade.
O
facto de a maioria das respostas identificar a origem da receita no seio da
família, comprova o importante papel desta, no geral, e dos seus elementos
femininos, em particular, na transmissão de saberes e competências ao longo de
gerações, no caso concreto no que se refere à cultura na sua componente
gastronómica.
Estes e outros resultados estão apresentados de forma simples e resumida no final do
livro. De salientar que não se trata de um estudo exaustivo, antes dá a
conhecer alguns resultados curiosos que seriam interessantes aprofundar num
trabalho futuro e especifico.
Uma ultima nota para referir que ao todo foram compiladas 160
receitas, das quais 134 de chicharro e as restantes de espécies variadas. A maioria foi recolhida nas comunidades
piscatórias junto de mulheres ligadas ou com relação com a pesca, directa ou
indirectamente. Registam-se também receitas facultadas por homens, alguns
trabalhadores da pesca, outros ligados à área da restauração ou da comercialização,
e outras ainda fornecidas por pessoas que não tendo relação alguma com a pesca quiseram
contribuir com os seus saberes e vontades. Isso explica também o surgimento de
outras receitas, pelo facto das pessoas terem demonstrado vontade em partilhar
as suas especialidades e os seus segredos culinários.
As receitas de chicharro são apresentadas por
ilha e por ordem alfabética e as outras
são apresentadas separadas, já sem ser por ilha, mas também por ordem
alfabética de forma a facilitar a consulta.
Laurinda Sousa