terça-feira, 6 de setembro de 2011

Uma noite com os Pescadores

Entre os dias 17 e 18 de Agosto, compartilhei com três amigos uma intensa experiência no mar: quando voltámos a reunir-nos em terra, nenhum de nós encontrava as palavras para descrever a sua emoção. Essas horas permanecem em mim com extraordinária nitidez, bem como os rostos e as vozes daqueles que me permitiram vivê-las. Vi as águas negras ficarem de improviso transparentes e fervilhar de vida, vi um azul tão profundo que eu nem sequer imaginava que pudesse existir: contudo, dessa noite, não foi a indescritível beleza que me tocou mais, mas sim a rara qualidade humana daqueles que, hora após hora, fadiga atrás de fadiga, cada vez me impressionavam mais pela sua serenidade face a um incógnito presente a cada instante…

Foi assim: uma vez completadas as necessárias diligências, Martine e Miguel, Kas e eu saímos em dois barcos de boca aberta pertencentes a armadores de Rabo de Peixe que se encontravam a pescar na costa Sul. Os dois jornalistas franceses partiram de Vila Franca, no ‘Lisboa’, do Mestre José Manuel: à mesma hora, a Kas e eu deixámos Ponta Delgada no ‘Letícia Moniz’ do Mestre Artur Andrade correndo para Poente. A última luz do dia extinguiu-se, o céu e o mar confundiram-se numa única treva. Mestre Artur mandara-nos vestir os coletes de segurança: durante toda a noite os doze homens da ‘companha’ tiveram para connosco uma atitude de grande protecção, e nunca deixaram de nos explicar tudo o que acontecia. O barco, que arrastava um bote com um único homem, parou abruptamente. Uma luz fortíssima incidiu sobre as águas: a sonda revelara a presença de cardumes. Iniciou então uma actividade sem intervalos, cuja complexidade de execução tinha algo de fantástico, juntando à necessária precisão dos movimentos um esforço físico extremo. Era preciso pescar antes que a Lua estivesse alta, pois a luz dos holofotes do bote é, juntamente com o engodo, o que chama à superfície os cardumes. O barco maior, com as luzes apagadas e em alta velocidade, descreve um círculo em volta da zona iluminada, largando assim as redes: é o «enchalavar», ou rede de cerco. Enquanto o bote sai do círculo e recomeça a sua tarefa noutra zona, os homens já recolhem a enorme rede circular: «Vamos embora», encorajam-se mutuamente enquanto puxam, vencendo uma resistência que se adivinha tremenda. Um complicado jogo de cabos permite fechar o cerco por baixo, e a rede volta a acumular-se à popa, pronta para o próximo lançamento. Quando emergem os metros finais, formando uma espécie de saco, uma chuva prateada de peixes cai no barco, e o ciclo recomeça. São imediatamente devolvidos à água muitos exemplares ainda bem vivos: tudo o não é chicharro ou cavala. Nessa noite, que foi boa, atingiu-se o máximo das capturas permitidas: respectivamente 350 e 300 quilos. O valor deste peixe, após várias detracções, será dividido em partes iguais entre os homens: e uma parte igual à deles será a ‘do barco’. Dois problemas fizeram com que a pesca se prolongasse: uma falha nos holofotes do bote, cuja reparação exigiu o transborde de um segundo homem para a minúscula embarcação, e a captura involuntária de uma enorme tartaruga: durante muito tempo os pescadores lutaram para que saísse da rede sem se magoar, e quando o animal ficou novamente livre, o mais jovem gritou-lhe: «Vai com Deus!», enquanto a bordo explodia a alegria de todos. Contei dez cercos, antes do regresso. Os pescadores estavam exaustos, mas mesmo assim, em voz baixa, continuaram a falar connosco. Já de manhã, após a descarga do peixe, regressámos à terra firme: para os homens o descanso mais que necessário, para a Kas e para mim uma despedida difícil e umas memórias que nos acompanharão para sempre.

Texto: Cátia Benedetti

Fotos: Martine Frágoas e Vicent Plana

In: Açoriano Oriental, página “Voz dos Maritimos” – 31 de Agosto de 2011

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